De Maria Eduarda Barbosa
Sexta-feira. Fim da tarde. Não, não é dia aziago e fatal como o foi para Madalena de Vilhena…
No aconchego de um bolero que abraça os habitués daquele recanto do café, revejo e analiso os dias da semana que deixei para trás.
De segunda-feira, guardei o movimento dolente dos passantes, com bocejos matinais e olhares estáticos e indizíveis…
De terça, a azáfama do mercado, com povo, muito povo, das orlas adjacentes ao burgo, aproximando-se das «regateiras» para marralhar o preço das hortaliças, dos ovos e das galinhas…
-Ó linda, venha cá, não me troque!
-A como são as nabiças? -questiona uma dona de casa rubicunda, à pressa.
-Um «oiro», menina, olhe que fresquinhas!
-75 cêntimos, vai?
-Pronto, leve lá, é para acabar e me ficar freguesa.
Na quarta, assisti ao parto de duas violetas do campo (das autênticas) que tenho num vaso, na varanda, e fico contente. O aroma é intenso e fugaz como a paixão. Converso com elas e sinto uma calma de norte a sul do meu corpo. Deixo-me estar…que sensação tão boa…
Quinta-feira, o cansaço começa a tocar-me e a energia que costuma estar em mim, dá de si. Penso em nada. Bato a porta e deslizo a minha «avenida», de mãos nos bolsos, com a segurança de um milionário (reparo agora que, sem querer, estou a citar praticamente ”ipsis verbis”um texto do Manuel da Fonseca.). Deambulo pelas artérias da cidade que me conhece como as palmas da mão. Paro no Salão Tina.
-Olá menina!
-Lavar e secar, mas primeiro vou fumar um cigarro.
-Não demore!
Dirijo-me à saída, fumo um «pensativo» cigarro e bato num outro cujo fumo esvoaça a uns dez metros de mim, saído de uma boca que já me desejou…
Navego naquele fumo. Primeiro denso, depois, como voo de borboleta, levita, esvoaça e obedece ao olhar do vento.
Esqueço o cabelo e fico a pensar na insólita fumaça.
Ai de mim, que não consigo livrar-me desta lembrança…
Jornal Açores 9 - Edição impressa
April 11, 2010