quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Morreu Mário Machado Frayão...



Era poeta o Mário...
Pediu-me este verão para pintar alguns dos seus poemas... e foi-se, tão cedo, tão frágil, tão etéreo... a Vida não o consentiu mais...e os poemas agora morrem sós, solteiros...sem cenário, sem o lado de trás que os acolhia e protegia...
Mário, tão frágil, partiste...e foste só, no caminho que a sombra da tua vida te levou. Sê estrela, agora!!!







ENQUANTO O MAR SE RENOVA
(1987)

O gin-tónico
pode ser também um bar de Lisboa
mesmo ao pé do mar
A luz do sol
chegava duma praça liberal
estendia-se pelo chão
resplendente
inundava as mesas
O velho conta histórias de espiões
com certa nostalgia
Acerca disso
li algures um texto interessante
e gostei muito
acerca disso e das prostitutas do Cais do Sodré
O silêncio
comeu
vagarosamente
a alma deste porto
e dos outros portos do mundo
Ele paira
sobre as docas e os mares
como a pesada mão dum deus ameaçador
e brutal
Procuramos a noite
como todos os marinheiros
na certeza de que a terra é o melhor sítio aonde chegar
enquanto prosseguem as viagens interplanetárias
sem que se vislumbre a Ilha dos Amores
nem Calecute nem nada
Houve um que disse:
«Vou-me embora pra Pasárgada»
Eu não vou

O Tejo continua a ser o grande rio.
O navio andava sobre os campos
Nessa tarde ensolarada
mesmo abrasadora
tivemos uvas e ameixas
recordámos algumas tradições
e depois falámos de mulheres
O mar adormecera com tanto calor
e azul dominava todas as cores
O mergulho
a conversa depois da praia
aquelas tipas nuas mesmo à nossa frente
Durante o dia
esplendoroso
foi o cheiro de muitos violoncelos
O silêncio era quente
como as nossas mãos
e as palavras
— O navio andava sobre os campos
Eternamente.



Mário Machado Fraião

(in “AS RUAS DEMORADAS”, SETE ANOS DE POESIA, Mário Machado Fraião, SOL/POESIA, 1989)

3 comentários:

  1. Mercês Coelho

    do Mário Machado Fraião, que nos deixou ontem.
    "O Outono chega sempre na mesma altura/celebram as aldeias/Parto para esses sítios/Onde irei rejeitar/todas as manhãs/os convites de alguns caçadoresos/os seus pássaros estilhaçados(...)O azul é outro/Andam as estrelas cintilantes pelos seus ardentes milhões de anos/O Outono chega sempre"

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  2. É verdade, Jorge. Nunca foi feliz, este rapaz...

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